PROJETO: Mineração em áreas indígenas: Frente ruralista e governo Bolsonaro têm pressa, mas vão aguardar protesto com Caetano


PROJETO: Mineração em áreas indígenas: Frente ruralista e governo Bolsonaro têm pressa, mas vão aguardar protesto com Caetano

Na visão de ambientalistas, o projeto irá institucionalizar o “vale-tudo” para crimes ambientais como a grilagem e o garimpo ilegal nas reservas indígenas, consideradas hoje as áreas mais preservadas da Amazônia

Porto Velho, RO -O governo federal intensificou nesta semana uma ofensiva para aprovar o projeto que libera a exploração de minérios, permite a construção de hidrelétricas, ferrovias e rodovias e a plantação de transgênicos em terras indígenas. 

A medida é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro como forma de o Brasil superar a dependência de fertilizantes russos, mas pesquisadores rejeitam a justificativa.

Na visão de ambientalistas, o projeto irá institucionalizar o “vale-tudo” para crimes ambientais como a grilagem e o garimpo ilegal nas reservas indígenas, consideradas hoje as áreas mais preservadas da Amazônia. 

Para a bancada ruralista, aliada ao governo na questão, a medida irá regularizar as atividades de exploração hoje na ilegalidade, gerando empregos, renda e desenvolvimento às comunidades locais.

— Este sem dúvida é o pior projeto do governo para a Amazônia. Vai causar a destruição dos povos originários. Vamos fazer de tudo para barrar — declarou Joenia Wapichana (Rede-RR), única deputada indígena do Congresso.

— É a medida mais importante que temos para a Amazônia. Vamos tirar da ilegalidade e da criminalidade essas atividades econômicas — rebate o ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB-RS).

O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) prepara, com outros parlamentares da oposição, um pacote para obstruir a tramitação do projeto. 

O grupo conta com a pressão de uma manifestação encabeçada por artistas como Caetano Veloso e Seu Jorge e movimentos sociais como o Greenpeace, Observatório do Clima, Associação dos Povos Indígenas, UNE e MST, que deve ocorrer na frente do Congresso hoje.

O governo está empenhado em aprovar o projeto na Câmara em 30 dias. A primeira etapa seria dar o aval para análise com urgência, o que pode ocorrer hoje.

— Será analisado pelos líderes partidários até amanhã (quarta-feira) — disse Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, que passou os últimos dias consultando as bancadas aliadas e da oposição sobre possibilidade de passar o projeto.

Feito sob medida para agradar mineradoras e entidades de garimpeiros que têm interesse nas jazidas da Amazônia, o projeto estava engavetado desde fevereiro de 2020, quando foi enviado ao Congresso Nacional pelos então ministros Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Sergio Moro (Justiça). 

Na ocasião, o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (União Brasil-RJ), anunciou que iria segurá-lo. O atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), no entanto, já deu sinais de que é favorável à proposta e só espera a melhor oportunidade para colocá-lo em pauta.

Na avaliação de Lira e Bolsonaro, o momento chegou com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que restringiu o suprimento de potássio para o Brasil — fundamental na composição dos fertilizantes usados em larga escala no país. 

Enquanto Bolsonaro passou a discursar que as maiores reservas de potássio estavam dentro de comunidades indígenas, Lira iniciou uma consulta a líderes dos partidos sobre a viabilidade de acelerar a aprovação da medida.

Para especialistas, o “dilema do potássio” é uma falácia. De acordo com pesquisadores da área, só um terço das reservas de minério estão na Amazônia Legal, nenhuma delas está em terras indígenas homologadas, 11% estão em áreas não homologadas (ou seja, ainda não plenamente reconhecidas pela União como terra indígena), e a única mina de potássio em operação hoje se localiza em Sergipe.

— As maiores reservas mapeadas ficam em Minas Gerais e São Paulo — afirmou Raoni Rajão, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (Lagesa).

 — É um pretexto falacioso. Primeiro, porque o potássio não está em terra indígena. E segundo porque o governo passa a impressão de que, aprovando o projeto, já vai resolver a demanda do mercado no dia seguinte, o que é uma inverdade. Os projetos dessas minas levam anos para serem constituídos — complementa o pesquisador, que coordena desde 2019 um projeto que estuda como solucionar a demanda por fertilizantes no Brasil.

Sem relação

Na Amazônia, a maior concentração de potássio se encontra na calha do Rio Madeira, que desemboca no Rio Amazonas. 

A Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa e Mineração (ABPM) elaborou um mapa com os pedidos de lavra de potássio protocolados na Agência Nacional de Mineração (ANM) na Amazônia e chegou à conclusão que apenas uma parte ínfima está em áreas indígenas.

— Não é verdade que o projeto Potássio Brasil (desenvolvido na Calha do Madeira) está parado por causa da questão indígena. O problema são as zonas de amortecimento (o entorno) das reservas indígenas, e não as reservas em si — disse Luís Maurício Ferraiuoli, presidente da ABPM, referindo-se às áreas que também preveem uma restrição.

Ferraiuoli afirmou ser favorável à mineração em terras demarcadas, mas se posicionou contrário a misturar o debate da crise de potássio à questão indígena:

— Só prejudica.


Fonte: O Globo

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